Carta da III Marcha do Coletivo de Mulheres do Norte de Minas
Taiobeiras-MG, 17 de Março de 2012
Nós mulheres do Norte de Minas estamos em marcha, com passos lentos daquelas que já sentem o peso da caminhada da vida, mas ainda tem muita resistência para marchar, com passos apressados, afoitos daquelas que no vigor da juventude estão dispostas a lutar, com passos cuidadosos daquelas que a cada passo planejam onde querem chegar. Estamos em marcha, sempre em movimento, não estamos esperando, estamos fazendo, construindo, denunciando, plantando e colhendo, estamos sempre lutando.
Na defesa dos direitos das mulheres norte mineiras, sejam elas quilombolas, indígenas, geraizeiras, caatingueiras, vazanteiras, agricultora familiar, atingidas por barragens, pela monocultura do eucalipto ou pela mineração, assentadas da reforma agrária, trabalhadora rural ou urbana, o Coletivo de Mulheres do Norte de Minas realizou entre os dias 16 e 17 de março de 2012, a sua terceira Marcha.
A III Marcha do Coletivo de Mulheres do Norte de Minas reuniu na cidade de Taiobeiras, situada na região do Alto Rio Pardo, cerca de 2.000 mulheres, de 23 municípios do Alto Rio Pardo e da Serra Geral.
A terceira versão da Marcha trouxe para o debate os seguintes temas:
· A Violência Contra as Mulheres
· Invisibilidade e desvalorização do trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres
· A mineração não é desenvolvimento é destruição
· Trabalho e Salários Dignos: Contra as desigualdades no trabalho assalariado.
Violência contra as mulheres
A violência contra as mulheres é tema reincidente, em todas as versões da Marcha, denunciamos todas as formas de violência contra as mulheres, cobrando medidas, políticas públicas e incentivando a organização das mulheres.
A violência contra as mulheres e meninas é estrutural, e conseqüência de um modelo capitalista e patriarcal de sociedade, baseado em relações de poder e propriedade onde a mulher é considerada e tratada como objeto de propriedade e uso do homem, a violência é vista como algo natural. Essa naturalização da violência contra a mulher faz com que as próprias mulheres tenham dificuldades em entender que estão sofrendo violência, principalmente quando o tipo de violência não é físico.
É preciso fazer chegar mais informações sobre os vários tipos de violência que muitas mulheres desconhecem, pois não deixam hematomas. Além da violência física, sexual e doméstica, é preciso denunciar também a violência de gênero, psicológica, a violência econômica ou financeira e a violência institucional.
No Brasil a cada 4 minutos uma mulher é violentada em sua própria casa. 90% dos casos de violência contra a mulher são cometidos por pessoas do seu convívio. Mais de 40% das agressões resultam em lesões corporais graves ou morte. Os agressores permanecem impunes em 80% dos casos.
Nós mulheres Norte mineiras e todas as mulheres do mundo queremos dar um basta na violência. É uma luta constante que já custou a vida de muitas companheiras. Não queremos somente denunciar e cruzar os braços queremos combater, contribuir na elaboração e construção de propostas, pela gravidade do problema muito precisa ser feito, é urgente o investimento em prevenção e combate a todo e qualquer tipo de violência contra as mulheres.
ü Consideramos a Lei Maria da Penha um grande avanço, porém precisa ser mais divulgada, é preciso que se faça cumprir e que seja respeitada por todos principalmente por policiais e juízes.
ü É imprescindível a construção de políticas intersetoriais nos níveis federal, estadual e municipal, com recursos financeiros e humanos adequados para a prevenção e punição da violência contra as mulheres.
ü Ampliação da Rede de Serviços de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência (ampliação do número de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, de Casas Abrigo para as mulheres e seus filhos, Juizados Especializados e Varas adaptadas, Defensorias e Promotorias Especializadas, Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor, Promotorias / Núcleos de Gênero no Ministério Público).
ü Continuar a capacitação de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros Especializados de Assistência Social (CREAS) para o atendimento adequado às mulheres em situação de violência.
ü Promover a geração de renda para mulheres em situação de violência.
ü Estimular o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema, e que a divulgação seja acessível a todas as mulheres (cartilhas, vídeos, etc).
ü Realização de Campanhas de sensibilização da sociedade para que não só as mulheres, mas que todos se sintam responsáveis em denunciar casos de violência contra a mulher.
ü A prevenção da violência contra as mulheres e meninas por meio de atividades de sensibilização, explicitando como ocorre a violência, quais são suas causas, e como se manifesta, assim como por meio do estimulo à auto-organização das mulheres;
Invisibilidade e desvalorização do trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres
Historicamente, foram atribuídos ao termo trabalho vários significados, porém atualmente a compreensão da categoria trabalho, adotada pelo sistema capitalista e patriarcal, está diretamente relacionada ao trabalho assalariado, desenvolvido em espaços urbanos, na maioria por homens que exercem atividades no mercado capitalista.
As desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho, não se dão por suas diferenças biológicas, mas sim por construções sociais expressas através da divisão sexual do trabalho, que faz uma separação entre trabalho de homem e trabalho de mulher, onde o trabalho do homem vale mais que o trabalho da mulher. Ás mulheres cabe o trabalho doméstico, de cuidados, chamado reprodutivo. Aos homens estão destinadas atividades que possuem valor de troca, que podem ser mercantilizados, o trabalho produtivo.
O trabalho reprodutivo, ou seja, o trabalho doméstico e de cuidados (com crianças, doentes e idosos) desenvolvido exclusivamente pelas mulheres, apesar de toda a sua importância para a reprodução da vida humana não e considerado como trabalho, é invisível e desvalorizado.
A dupla jornada e sobrecarga de trabalho imposta às mulheres, a não socialização do trabalho doméstico, a dificuldade de acesso ao emprego, desvalorização e exploração do trabalho da mulher, são construções de uma sociedade patriarcal, machista e capitalista, acirrando as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Pesquisa recente do IBGE, apresenta as seguintes conclusões:
- Embora as mulheres sejam a maioria da população adulta no Brasil e apresentarem níveis crescentes de ocupação, elas têm menor inserção no mercado de trabalho.
- Apesar de representarem 53,5% da população brasileira em idade economicamente ativa, as mulheres ocupam somente 44,4 % dos postos de trabalho.
- Uma trabalhadora brasileira recebe em média R$956,80 por mês de trabalho por uma jornada de 40 horas semanais. O valor representa 71,3% do que um homem recebe pelo mesmo trabalho.
- Com relação à escolaridade as mulheres têm se destacado, de 2003 a 2008, o percentual de mulheres com ensino médio completo aumentou de 51,3% para 59,9%. Entre os homens no mesmo período aumentou de 41,9% para 51,9%.
- Mas a escolaridade não é garantia de melhores condições de emprego para elas. A diferença de rendimentos entre os gêneros é ainda maior nas classes mais escolarizadas. Uma mulher com curso superior tem o salário em média 40% menor que um homem com a mesma função.
È preciso que a mesma sociedade que criou as desigualdades crie também as possibilidades de modificação dessa realidade, é necessária a “reorganização do trabalho doméstico e de cuidados para que a responsabilidade por este trabalho seja compartilhada entre homens e mulheres dentro da família e comunidade”. É preciso que sejam construídas políticas públicas que apóiem a reprodução social, como creches, lavanderias coletivas e restaurantes populares, cuidados para idosos, assim como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários.
A mineração não é desenvolvimento é destruição!
Em nome do desenvolvimento econômico as regiões do Alto Rio Pardo e Serra Geral, desde a década de 1970 vêm sendo impactadas com grandes projetos como a pecuária, a monocultura do eucalipto, com destruição do cerrado e da caatinga, concentração e grilagem de terras, superexploração dos trabalhadores e enriquecimento de alguns. Atualmente a mineração é o grande projeto proposto para as regiões. Perguntamos: QUE DESENVOLVIMENTO É ESSE? PARA QUEM ESSE DESENVOLVIMENTO? QUEM DECIDIU QUE ESSE É O DESENVOLVIMENTO QUE QUEREMOS? Queremos chupar o umbu da caatinga, comer a cagaita do cerrado, roer piqui sem medo de morrer intoxicadas. Temos direito de continuar bebendo água pura dos ribeirões, dividir as sombras das árvores com as aves e demais animais menos perigosos que o homem. Não queremos este modelo que destrói as paisagens, utiliza grandes volumes de água e de energia, que gera resíduos, poluição do ar, poluição das águas subterrâneas e superficiais. Não queremos esse modelo que traz vibrações, rachaduras e barulhos nas casas causados pelas explosões e acidentes com minerodutos. Sabemos que em todas as regiões de mineração também são fortes os impactos sociais: inchaço das cidades e falta de infraestrutura para os serviços básicos como saúde, educação, transporte; aumento da violência e criminalidade; submissão do poder público e manipulação da opinião pública, acidentes com poluição e com trabalhadores; pressão imobiliária e aumento do custo de vida; pessoas de fora ocupando grande parte dos empregos gerados temporariamente; intensificação de conflitos por terra e água; perda de terras... enfim, todas essas conseqüências afetam diretamente as mulheres.
Não podemos deixar que empresas como a Sul América de Metais (SAM), Vale, CSN, Grupo Votorantim, MTransminas, Mineração Minas Bahia (Miba ) e Gema Verde, levem nossas riquezas e destruam nossas vidas impunemente. Precisamos defender nossas famílias, mulheres, meninas, nossas terras, o nosso modo de vida, nossos cerrados, caatingas e nascentes que serão gravemente afetados. Até quando nossos políticos vão ser cúmplices da catástrofe brasileira para garantir o desenvolvimento dos outros países e a destruição do nosso?
Trabalho e salários dignos: contra as desigualdades do trabalho assalariado.
Afirmamos a necessidade de proteger os direitos das assalariadas e assalariados rurais e urbanos e lutar por condições dignas de vida e de trabalho, e contra as ameaças aos nossos direitos trabalhistas. É imprescindível que trabalhadoras e trabalhadores conheçam a legislação trabalhista e sejam informados sobre os órgãos de fiscalização do trabalho urbano e rural. É preciso combater a exploração da mão-de-obra informal e o trabalho escravo, que ainda hoje consome as vidas de crianças, mulheres e homens, jovens e idosos.
ü Queremos que o Estado tenha políticas para garantir renda em situações de doença, de desemprego, licença maternidade e paternidade, aposentadoria (proteção social universal).
ü Salários iguais para o mesmo trabalho de homens e mulheres, incluindo as remunerações pelo trabalho em zonas rurais;
ü Salário mínimo justo (para diminuir a diferença entre salários mais altos e mais baixos e assegurar que todas e todos vivam com dignidade com as pessoas que são seus dependentes) instituído por lei que sirva como referência para todo o trabalho remunerado (público e privado) e prestação de serviços sociais públicos. Criação ou fortalecimento de uma política de valorização permanente do salário mínimo, com valores comuns para sub-regiões ou regiões;
“Para que todas as mulheres tenham autonomia econômica temos que construir uma sociedade na qual o trabalho - em todas as suas formas – seja reconhecido e valorizado”.
A nossa luta é por liberdade, solidariedade, igualdade, justiça e paz.
Em marcha sempre, até todas sejamos livres!